Deixe estar

19:37


Ei, menina, levanta essa cabeça. O que aconteceu?

- Ele foi embora sem deixar nem mesmo uma carta. - respondeu ela em meio a copiosos soluços.

- E o que você pretende fazer com toda essa bagunça? - perguntei firmemente.

- Não sei. Quero sumir. Procurei algum sinal, alguma despedida, em todos os lugares, mas não achei nada. Nem mesmo uma palavra escrita num papel qualquer. O que eu fiz, pra ele me deixar assim? - e ela falava com um ar de culpa muito maior do que seus ombros poderiam suportar.

- Já pensou que você simplesmente pode não ter feito nada e a culpa neste momento ser toda dele? Que ele foi um sacana? Mas olha, ele foi embora. E você está aqui, tão viva.

 - Não, não estou viva. Ele é minha vida. Não tenho mais pra quê estar aqui. Não dá pra viver sem ele, simplesmente não dá! Não, não, não dá! - repetia desesperadamente.

Segurei suas mãos, enxuguei suas lágrimas e a puxei até o espelho onde pedi que olhasse, ainda em meio a lágrimas.

- Olhe, olhe isso que eu estou vendo. Você é linda, tão linda, tão bela, de um sorriso tão puro e desconcertado sempre (mesmo escondido agora), e sempre teve tanta vontade de descobrir o mundo. Olhe bem pra você! Sua vida é você, e não ele, nem ninguém. Não deixe ninguém ser maior do que você em sua própria vida, sua casa, seu quarto... Seu mundo! Já faz tanto tempo que ele se foi e você ainda aqui, perdendo tanto.

- Mas eu... - tentou me interromper, tentou justificar algo, talvez.

- Hoje você precisa decidir o que fazer de sua vida, de você. Já é hora, menina. Deixe o mundo ver você, e vá descobri-lo com esses olhos tão curiosos de tudo. Já é hora! - falei, quase que em súplica.

- E se ele voltar? - ainda perguntava.

- Deixe estar. Se ele voltar não existe. Você não pode deixar sua vida depender de um 'se'. Viva! E se ele voltar um dia, vai lhe ver aqui, firme, aproveitando aquilo que ele não lhe permitiu enxergar durante anos. Muita coisa boa lhe espera! Vamos, levante a cabeça e vamos sair daqui agora. - segurei suas mãos e fui lhe puxando corredor adentro em direção à porta.

Ao chegar no jardim do condomínio, ela ainda desnorteada, tentava se adaptar à luz do sol que brilhava especialmente ali, naquele momento. Olhamos para o céu, juntas. Vi uma lágrima escorrer em sua face; uma única lágrima. E ela as enxugou suspirando leve e lentamente.

- Há tempos não vejo o sol, e não foi só porque estava trancada durante meses depois que ele foi embora. Esse brilho todo, eu nunca mais tinha visto. Será que ainda dá tempo de recuperar minha vida? - ela falava, cheia de dúvidas.

- Ah, menina, deixe estar, já lhe disse. Vamos, há sempre tempo. Deixa o que passou pra trás e dê um, dois, três... Mil passos à frente. Vamos!

Ela sorriu e aceitou voltar ao que lhe pertencia. Talvez ali, naquele momento, ela tenha decidido ser maior do que tudo em sua vida, de fato. Lembro desse dia, e vejo que ali ela renascera, e hoje... Ah, hoje ela vive, sorri, dança, rodopia levemente. Ele? Nunca mais vimos. Acho que se perdeu em uma esquina qualquer.


Magda Albuquerque

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6 comentários

  1. Uaaaaau Magada!
    Simplesmente lindo! "SE" é uma palavra pequena com um estrago enorme em corações que sofrem. Amei!

    Beijos

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    1. E que os 'se' possam ir dar uma voltinha pra nunca mais. \o/

      Beijo, Babi :*

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  2. Tanta gente que se prende num "se" não é? Ameeeei o texto Magadinha. Em outras épocas ele seria essencial pra mim. Ainda bem que descobri o sol também.

    Beijo lindinha :* ♥

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    1. Adorei isso, Fê: 'Ainda bem que descobri o sol também'.
      Lindo!
      Vocês me deixam toda feliz com os comentários. :)

      Beijão.

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  3. Esse tal do "se" e da dúvida que a gente muitas vezes se apega na vida, nos faz tão mal, porque nos impede de enxergar as coisas boas que estão por vir. A gente deixa o "se" ocupar o espaço do que "é".

    Arrazando Magadinha, tô gostando de ver. ♥

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  4. Brigada, Nana <3
    Menos 'se' e mais 'é' pra nós.

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